Em busca dos segredos da Portela da Arca

A panela de barro está ali enterrada há pelo menos 2400 anos, mas, antes de os seus fragmentos serem retirados, os arqueólogos Pedro Barros, Samuel Melro e Susana Estrela fazem uma ginástica improvável para fotografar a peça in situ. 
[Fotografias: Sul Informação]

«Chega-te mais para o lado, por causa da sombra», pede Pedro Barros, de cócoras, quase de joelhos, e com a máquina fotográfica digital a rasar os fragmentos da cerâmica.

Esta cena de ginástica ao fim do dia passa-se numa elevação de terreno na Portela da Arca, no concelho de Almodôvar, bem perto do vale do Rio Mira, onde os responsáveis pelo Projeto Estela estiveram mais de duas semanas em julho, a fazer a primeira campanha de escavações arqueológicas neste povoado da Idade do Ferro, datado do século V ou IV antes de Cristo, que eles presumem ter sido habitado pelos mesmos homens que produziram as estelas epigrafadas com a nunca decifrada escrita do Sudoeste.

O sítio da Portela da Arca foi identificado por Pedro Barros e Samuel Melro em 2008/2009 quando, no âmbito do Projeto Estela, fizeram uma batida de campo sistemática desde as linhas de cumeada até ao Rio Mira. «Este foi o sítio onde encontrámos mais cacos à superfície», fragmentos de cerâmica dispersos, e por isso foi associado «a um povoado, o que veio a confirmar-se», conta Pedro Barros ao Sul Informação.

 A panela de barro, com rebordo trabalhado, encontrada durante as escavações arqueológicas A Portela da Arca está inserida no conjunto de sítios do planalto dos Montes das Antas, junto da linha de festo entre o rio Mira e a Ribeira de Ferranhas, localiza-se entre as necrópoles da Idade do Ferro de Mouriços/Antas de Cima (escavada no início dos anos 70 do século XX) e a necrópole da Abóbada (intervencionada entre 2010 e 2011 no âmbito daquele projeto).

As escavações agora realizadas – pelas estruturas e fragmentos de cerâmica postos a descobertos – permitem já concluir que se tratava de um «povoamento rural da Idade do Ferro», com uma estrutura e até um tipo de construção muito semelhante aos montes alentejanos.

«O conceito a aplicar aqui é o de monte», sublinha Pedro Barros. A casa do monte, virada a nascente, segundo explica Samuel Melro, tinha as fundações construídas em pedra (xisto local) e as paredes em taipa.

As escavações agora realizadas – pelas estruturas e fragmentos de cerâmica postos a descobertos – permitem já concluir que se tratava de um «povoamento rural da Idade do Ferro», com uma estrutura e até um tipo de construção muito semelhante aos montes alentejanos. É a terra dessa taipa que cobre agora as estruturas dos muros em pedra e que os arqueólogos têm vindo, pacientemente, a retirar, para chegar aos níveis mais antigos. Pedro Barros acrescenta que as investigações arqueológicas feitas nos últimos anos já encontraram outros paralelos para este povoado da Idade do Ferro e para as cerâmicas nele encontradas, em Fernão Vaz (Ourique), Neves/Corvo e no Alentejo Central.

Entre os restos dos muros dos dois ou três compartimentos que esta casa teria, pouco mais tem sido encontrado que os fragmentos de cerâmica, alguns bastante completos. «Aqui não há restos osteológicos [ossos], nem faunísticos, nem humanos, porque se trata de uma zona de xisto», um meio muito ácido que destrói todos os ossos e outros vestígios orgânicos.

Mas Samuel Melro revela que foi descoberta um «punção que parece ser de cobre», ou seja, um pequeno vestígio metálico que poderá ser de cobre, provavelmente minerado na zona. A cumeada da Portela da Arca onde se ergueu este povoado rural há cerca de 2400 a 2500 anos situa-se numa zona pobre em termos agrícolas, de solos xistosos.

Nesses tempos, porém, o que agora é terra seca coberta por restolho e alguns sobreiros dispersos, seria um bosque denso, certamente com caça abundante e outros recursos.

Ainda assim, os arqueólogos interrogam-se: «esta gente vivia de quê?» Na zona, a poucas dezenas de quilómetros, sempre houve importantes recursos mineiros, mas aqui, na Portela da Arca, não parece que tenha sido essa a razão que atraiu a este monte estes habitantes da Idade do Ferro.

Embora ali bem perto, no sopé do monte, até haja uma corta feita por mão humana, que os arqueológos não sabem ainda se terá sido aberta para explorar minério ou por outra razão (entretanto, já entregaram um projeto para investigar melhor essa corta, bem como uma pequena barragem que lhe está associada).

Outra peça de cerâmica encontrada pelos arqueólogos «Terá havido algum surto de pressão urbana que obrigou as pessoas a virem para aqui? E viviam de quê? Certamente que de agricultura de subsistência, associada a pastorícia, recolecção, exploração florestal… E a mineração? Será que também viviam disso?».

Para já os arqueólogos ainda não encontraram respostas para estas questões, mas esta é apenas a primeira campanha de escavações neste local. Pedro Barros salienta que toda uma vasta zona do Alentejo e da vizinha Andaluzia era, desde tempos remotos, grande fornecedora de minério para o mundo mediterrânico.

Num dos pólos, amostras retiradas dos gelos mostram que, nos séculos V e IV a.C. houve muita «poluição ambiental» que análises posteriores identificaram como sendo provocada pelos fumos e poeiras de minério da Península Ibérica. «Houve uma tal intensidade de exploração de minério que há registos disso nos gelos polares», salienta Pedro Barros.

Só que a Portela da Arca, embora próxima do vale do Mira, já está fora da rica faixa piritosa… O que teria então atraído os homens da Idade do Ferro a este monte?

Mesas do Castelinho vão ter centro de interpretação

A campanha de escavações na Portela da Arca prolongou-se entre 9 e 28 de julho, estando já aberta uma área de 94 metros quadrados.

Estas investigações, integradas no Projeto Estela, contam como o apoio logístico da Câmara Municipal de Almodôvar e com a colaboração da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. «Para o ano há mais escavações!», garante Pedro Barros. A campanha conta ainda com o apoio do Laboratório de Arqueociências da Direção Geral do Património Cultural (ex Igespar).

A geóloga Ana Costa vai analisar, por exemplo, os veios de quartzo das redondezas ou os adobes das paredes do povoado. Ao mesmo tempo, decorreram trabalhos no povoado das Mesas do Castelinho(Almodôvar), sob coordenação de Carlos Fabião e Amílcar Guerra (UNIARQ). Nas Mesas do Castelinho, um povoado fortificado, comemoram-se os 25 anos do projeto de investigação e as 23 campanhas de escavações já feitas.

Em breve, as Mesas do Castelinho terão um centro de informação que permita aos visitantes perceber a riqueza dos vestígios arqueológicos de várias épocas que ali se encontram. «Esperamos que daqui a um ano já haja informação, pelo menos ao nível da sinalética, e valorização desse sítio arqueológico», disse Samuel Melro.

Este ano, decorreu no local uma vasta campanha de limpeza do mato e de consolidação das estruturas, primeira fase desse projeto de valorização. As Mesas do Castelinho têm testemunhos de povoamento em duas fases: desde a Idade do Ferro (século V a.C.) e a época romana (até ao fim do século I d. C. ou início do II) e depois na época islâmica, quando aí esteve implantada uma fortificação islâmica, que vigiava os caminhos entre o Algarve e o Alentejo, entre os séculos IX e XII da nossa era.

Saiba mais sobre a Escrita do Sudoeste na exposição «Vida e Morte na Idade do Ferro», patente no Museu da Escrita do Sudoeste, em Almodôvar.

Fonte: Sul Informação
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